Após eu ter me convencido de que há boas evidências históricas e bons argumentos filosóficos a favor do cristianismo, eu ainda levei mais alguns anos para me convencer de que a Igreja Católica é a igreja única e verdadeira fundada por Cristo. Nessa postagem eu gostaria de compartilhar alguns dos pontos que me convenceram na esperança de que talvez eu também ajude quem possa estar o mesmo barco.
Salvação
Alguns protestantes criticam o catolicismo por acreditar em “salvação através das próprias obras”, que violaria um princípio fundamental do cristianismo. Pois o que diferencia o cristianismo de outras religiões é que todos nós somos pecadores, e é a partir desse ponto que surge a necessidade de um redentor (Jesus Cristo) que toma para si as dores do mundo. Afinal de contas, Deus é bom, mas também é justo, e portanto ele não poderia ignorar os pecados e apenas nos salvar sem que um preço seja pago—mas, sabendo que nós somos incapazes de pagar esse preço, ele o paga por nós.
O primeiro ponto a perceber é que o catolicismo não defende “salvação através das próprias obras”, ao menos não exatamente da forma como o termo faz parecer. A salvação é vista como um processo que se inicia com a graça de Deus, pois nós, em nossa corrupção, não poderíamos iniciar esse processo nós mesmos. No entanto, após essa graça inicial, é esperado que cada um de nós colabore com a graça da forma que pudermos. Ou seja, os católicos acreditam em “salvação através das próprias obras”? Apenas se você olhar para essa expressão de forma extremamente superficial. Católicos não acreditam que estão “conquistando seus lugares no céu através das próprias obras”, eles acreditam que estão colaborando com a graça de Deus que lhes foi dada—e eles não mereciam essa graça, pois também são pecadores.
Essa doutrina foi explicitamente afirmada na sexta sessão do Concílio de Trento:
CÂNONE I.-Se alguém afirmar que o homem é justificado perante a Deus por suas próprias obras […] sem a graça de Deus que nos foi dada por Jesus Cristo; que ele seja anátema.
CÂNONE III.-Se alguém afirmar que sem a inspiração do Espírito Santo […] um homem pode acreditar, ter esperança, amar, ou ser penitente da forma como ele imaginar, de tal modo que a graça da justificação lhe será recompensada; que ele seja anátema.
Traduzido do original em inglês. Veja o original aqui.
Compreendendo, então, que o catolicismo não defende salvação pelas próprias obras, eu quis comparar a visão católica com a visão protestante para entender qual visão me parece mais plausível do ponto de vista lógico. É claro que, antes de procedermos, precisamos abrir um parênteses: há muitas denominações protestantes, e eu não sei afirmar se todas elas compartilham da mesma opinião sobre a salvação. No entanto, parece-me que sola fide (o princípio que o homem é justificado apenas pela sua fé—e as boas obras são apenas frutos da justificação em vez de parte do processo) é bastante comum entre várias denominações protestantes (em particular por conta de uma interpretação específica do livro de Romanos). Portanto, vou me referir à “visão protestante” como se todos os protestantes acreditassem em sola fide, mas não sei afirmar categoricamente se esse realmente é o caso.
Debruçando-me sobre a questão do sola fide, eu tive o questionamento: se a nossa salvação for apenas por meio da nossa fé, então certamente não deveria ser necessário escolher ter fé. Pois escolher ter fé não deixa de ser uma escolha—de certa forma é um ato que a própria pessoa cometeu. Foi nesse momento que eu entendi o porquê de certos líderes protestantes, tais como Lutero e João Calvino, negarem o livre-arbítrio. Para a teologia protestante se tornar coerente, eu entendo que negar o livre-arbítrio não é apenas opcional—é necessário.
Lutero, em sua obra De servo arbitrio, entendia que o pecado original nos corrompeu de tal maneira que nós não temos liberdade nem mesmo para escolher o bem. Assim, nós deixamos de ser livres após o pecado original. No entanto, eu acho essa uma visão extremamente difícil de se defender sob diversos aspectos. Por exemplo: se nós não temos livre-arbítrio, então ou teremos que aceitar que todos seremos salvos (e portanto qualquer discussão teológica ou apologética é inútil), ou teremos que aceitar que certas pessoas foram criadas com o único intuito de serem condenadas, pois Deus não desejou que elas fossem salvas. A ideia de que “Deus não tem a responsabilidade de nos salvar pois todos somos pecadores pela nossa própria vontade” faz sentido apenas se entendermos que nós escolhemos pecar—mas, na visão luterana, todos aqueles que nasceram após o pecado original não tiveram essa escolha.
É claro que, como mencionei anteriormente, há muitas denominações protestantes que eu não conheço, e portanto seria desonesto da minha parte oferecer a visão luterana ou o princípio de sola fide como sinônimos da “visão protestante”. No entanto, com base no que eu conheço hoje, eu entendo que: após observar que grande parte dos protestantes modernos defende o sola fide sem perceber que esse princípio não se alinha com o livre-arbítrio, e após observar que aqueles protestantes que perceberam o contraste e negaram o livre-arbítrio (tais como Lutero e João Calvino) chegaram a conclusões que me parecem difíceis de defender, eu entendo que a visão católica é a que melhor se adequa à realidade que eu observo.
Autoridade apostólica
Na bíblia, vemos em vários momentos Jesus dando algum nível de autoridade para seus apóstolos, como por exemplo:
- A pedra sobre a qual a Igreja será edificada (Mateus 16, 18)
- Autoridade para ligar e desligar aquilo que está na terra e nos céus (Mateus 16, 19)
- Autoridade para expulsar demônios (Mateus 10, 1)
Cada um desses três pontos dariam várias horas de debates, pois têm diversas implicações. Por exemplo, “autoridade para ligar e desligar aquilo que está na terra e nos céus” é frequentemente entendido como uma alusão ao Sacramento da Reconciliação—os discípulos, tendo sido dados uma autoridade especial por Jesus, podem agora perdoar pecados em seu nome, e dessa forma a Igreja Católica hoje teria mantido essa autoridade que foi passada por sucessão apostólica. Esse é um trecho que eu acho particularmente difícil justificar de um ponto de vista protestante.
No entanto, a expulsão de demônios é um aspecto ainda mais chamativo para mim: embora o assunto de exorcismos seja hoje em dia frequentemente tratado como medieval, a bíblia frequentemente menciona como Jesus expulsou e enfrentou demônios, o que nos indica que demônios não são secundários, mas seres reais que constantemente nos atacam. O padre e exorcista Gabriele Amorth, em sua obra “Um exorcista conta-nos”, fala extensivamente sobre a distinção de ataques demoníacos e doenças mentais:
Eu cito Luigi Sartori, que é um dos mais famosos [teólogos que negam a severidade de ataques demoníacos]. Certa vez ele escreveu, “É provável que alguns dos indivíduos que Jesus curou estavam sendo afetados por distúrbios nervosos em vez de possessões demoníacas verdadeiras”. Essa é uma insinuação terrível, e é falsa. O Gospel sempre diferencia claramente curas de doenças e libertações de demônios, assim como também diferencia claramente o poder que Jesus dá para curar doenças e o poder que ele dá para expulsar demônios. Os evangelistas talvez poderiam não saber o termo técnico moderno das doenças, mas eles eram perfeitamente capazes de discernir quando estavam sendo confrontados por doenças e quando estavam sendo confrontados por possessões demoníacas.
–Gabriele Amorth, “An exorcist tells his story”. Traduzido do original em inglês.
Se demônios são seres reais, e Jesus passou sua vida constantemente lutando contra eles, esperar-se-ia que a Igreja verdadeira que carrega a autoridade de Cristo continuaria a batalha em seu nome—e é exatamente o que vemos na Igreja Católica: instituiu-se o sacramental do exorcismo com seus ritos e orações testados ao longo de vários séculos, documentação de casos públicos (como os vários casos que o padre Gabriele Amorth conta em seu livro), investigações cuidadosas para que possessões não sejam confundidas com doenças psiquátricas, etc.
Embora certas igrejas protestantes/evangélicas afirmem que estão expulsando demônios, não se vê o mesmo nível de rigor que a Igreja Católica tem (e aqui estou incluindo tanto o rigor investigativo em conjunto com profissionais da área de saúde mental, como também o rigor dos ritos e orações). E, mesmo em casos em que há possessão real nessas igrejas, o padre Gabriele Amorth distingue claramente que, nesses casos, está se fazendo uma oração de libertação, não um exorcismo:
“Estes sinais acompanharão todos aqueles que acreditam: em meu nome irão expulsar demônios” (Marcos 16, 17). Esse poder, que Jesus deu a todos aqueles que acreditam nele, é efetivo. É um poder geral que se baseia em oração e fé. Pode ser praticado por indivíduos e comunidades. Está sempre disponível e não requer autorização especial. No entanto, precisamos esclarecer que esse é um caso de oração de libertação, não de exorcismo.
–Gabriele Amorth, “An exorcist tells his story”. Traduzido do original em inglês.
Qual é a diferença? Uma oração de libertação pede a Deus que proteja ou liberte uma pessoa. Um exorcismo, carregando a autoridade da Igreja, ordena que o demônio saia. Ora, uma ordem não teria efeito ao não ser que aquele que ordena tenha autoridade para emitir ordens—em outras palavras, o exorcismo seria ineficaz se a Igreja Católica não carregasse algum nível de autoridade.
Práticas pagãs?
Ainda outro ponto levantado pelos protestantes é que a Igreja Católica promove certas práticas que, num primeiro momento, podem aparentar ser pagãs, tais como o uso de objetos como sacramentais e a devoção a santos.
Sobre isso, eu gostaria de dizer que tudo pode “aparentar ser pagão” se você olhar apenas sob uma ótica superficial. Pois “[…] o próprio Satanás se disfarça de anjo de luz.” (2 Coríntios 11, 14). O que eu quero dizer é que aquilo que é falso e mentiroso irá imitar aquilo que é verdadeiro—e não o contrário.
Tomemos, como exemplo, os objetos sacramentais. Num primeiro momento, eles podem aparentar ser pagãos pois a prática de atribuir valores mágicos a objetos é uma prática pagã. No entanto, qualquer pessoa que tenha estudado os sacramentais mais profundamente sabe que a Igreja Católica não atribui valores mágicos a objetos. Os objetos sacramentais se baseiam em três princípios:
- Que o ser humano é um ser filosófico que compreende o mundo através dos sentidos. E, portanto, objetos físicos, quando usados adequadamente, podem contribuir para o nosso intelecto.
- Que o poder não vem do objeto, mas de Deus através da intercessão da Igreja (ex opere operantis ecclesiae).
- Que as orações são eficazes, tal como Jesus nos ensina em Mateus 7, 7-11. Se as orações são eficazes, então a intercessão da Igreja também é.
Juntando esses três princípios entendemos que, quando um objeto é adequadamente abençoado pela Igreja, a intercessão é eficaz. No entanto, se mantemos em mente que todo poder sempre vem de Deus, não é uma prática supersticiosa e pagã. Como eu falei anteriormente, as práticas só são parecidas sob uma ótica extremamente superficial.
Um apelo pessoal
A Igreja Católica tem algumas afirmações fortes e difíceis de engolir. Mas eu proponho a seguinte reflexão: supondo que haja uma igreja verdadeira, você esperaria que ela mentisse? De jeito nenhum, esperaríamos que a igreja verdadeira honraria sua autoridade e falaria a verdade—mesmo quando for uma verdade difícil de engolir. Jesus falou verdades que, para a sua época, também eram difíceis de engolir, e foi negado pelos fariseus. Será que com nossos corações endurecidos não estamos sendo como os fariseus de nossa época?
Eu proponho que não julguem a Igreja com base em critérios supérfluos, tal como “eu acho aquele ensinamento muito difícil!”. Em vez disso, reconheçamos que o caminho da santificação é difícil. A Igreja verdadeira, carregando a autoridade que lhe foi dada por Cristo, tem o dever de honrar essa autoridade e apresentar esse caminho da santidade mesmo quando dói.
Portanto, usemos critérios rigorosos. Julguemos pelos frutos, assim como Jesus nos ensinou (Mt 7, 20). Façamos um esforço real para entender a doutrina—não como um fariseu, que busca apenas dispensar ao primeiro sinal externo que encontra, mas como um verdadeiro buscador da verdade, que está preocupado em entender a doutrina em um nível profundo.